nicotina

o fumo das coisas

quarta-feira, abril 26, 2006

Mel

Não penses, deixa a reacção quimica elevar-nos à condição. O objecto como objectivo não serve. Um mar de mel nos teus cabelos é suficiente para me levar à exaustão - com a calma toda do mar, sempre em câmara lenta.

Derretemo-nos num delírio psicótico e é isso que funciona.

quinta-feira, abril 20, 2006

Boémia (33ccl de loucura)

Chateia-me, pronto. Estar com fome e nem sequer me lembrar de comer. A música demasiado alto nas colunas (os graves no máximo) e alguém me mandar calar. Atravessar numa passadeira suicida com um travo amargo a esta escuridão desgraçada.

Viver como quem não vive sequer, sobrevive-se num fio de linho atravessando uma lâmina afiada de juventude perdida em copos de vidro e camas desfeitas. Charros mortos nos cinzeiros, um cigarro perdido num maço de tabaco de valor acrescentado. É a tua casa e a tua desarrumação.

Bebes essa cerveja e compras o último CD da tua banda favorita com o mesmo à-vontade de quem quer regredir no tempo, ou melhor, estagnar completamente (ainda te faltam 40 anos).

E depois há quem viva das romantiquisses pegajosas, do amo-te amo-te amo-te às cinco e meia da tarde numa qualquer esquina do Chiado, bolos quentes e vidros embaciados, tenho lá paciência para todas as metáforas do mundo!
Toma lá o romantismo - não preciso dele. Invento mil e uma metáforas por minuto, quero lá saber.



Telma - onde estás? Já devias estar em casa. Tenho o comer a arrefecer e a tua lingerie está por experimentar. Devia ser esta a noite.

Tolero tudo menos essa música barroca. Chateia-me, pronto. Telma! Esse teu ar irrequieto é de um snobismo brutal. Quem é que te ensinou a ser ladra das coisas íntimas dos outros?

Vamos lá a ver se não há mais mortes hoje. Isto está tudo tão surreal que me sinto a desfalecer. O melhor é acender a televisão e ser um pouco normal, para variar.



- Vive-se no limiar, como pode observar, Sr. Assistente de Cargo Importante, batalhamos e o cinto aperta, já não há barrigas como antigamente (nem calças - note bem), é de sexo que precisamos, Sr. Assistente!, putedo iletrado imported do cú do mundo!, analfabetismo às massas e cerveja quente!, damos isso ao poveco e ele engole!, é como quem diz, povo estúpido só come morangos.

- Mas e o amanhã, quem é que nos faz a papinha? Isto tem que ser bem medido, toma lá dá cá. Caguei para esta conversa e vamos mas é encher a pança que já passa do meio-dia.


1,2,3 - é facil ser português!

segunda-feira, abril 17, 2006

Sábado?

Hmmm... esta necessidade de conhecer pessoas, vidas, roupas, saltos altos e sandálias, o cigarro que fumas e atiras para o chão e o pisas com a mesma certeza de me olhares com a mesma curiosidade.

É tão dificil trocar olhares curiosos, ninguém se importa com nada. Apenas com a cerveja que está a acabar e é preciso ir buscar outra, o charro que está quase a ser feito e que te vai deixar mais K.O. e infeliz do que já estás, o passar do tempo a contar os grãos de pó e as latas de cerveja e as beatas espalhadas pela casa que recusas limpar... Ao menos sê qualquer coisa.

E a minha insistência em tornar as pessoas felizes, mais belas, mais alegres.

Partilhar...

É no partilhar que está o meu instinto, uma música, um chocolate, um vodka morango.

E recusam-se a aceitar, a olhar de volta, a olhar-me quando chego - a porta está sempre aberta como numa boite, atiras a chave como se atirasses outra coisa qualquer e se soubesses o que me custa ir ai todas as noites sofrer o mesmo.

Sinto-me melhor sozinho e com falta dessa solidão que me faz gostar de mais e mais pessoas. Recuso-me a sair sozinho e a enfrentar o ar frio sem ninguem que me acompanhe, prefiro um chocolate no bolso e a minha alegria contagiante de anulação diária - só faço sentido quando está alguém comigo.

Não preciso de um emplastro ao lado para saber que sou mais feliz do que tu vais ser. Porque tenho a certeza do fluxo da natureza em mim, o sol no bolso, a lua nas costas e todo o equilibrio do mundo num único sorriso.

Sábado à noite... que perca de tempo. Perder tempo a dar alguma coisa aos outros... Prefiro guardar esta energia para ti, e um dia surges numa núvem branca e assaltas-me o coração e eu vou deixar.

Por enquanto trato de me adquirir, de me dar a conhecer. A mim.

Sábado à noite... morder como quem beija. É assim tão simples? Beber e calar, foder e estár ébrio como um cabrito inocente. Conheco-te e já está. Um numero de telefone num post it algures num frigorífico. Para voçês é assim tão simples? Sair e já está?

Mas já está o que? Uma noite? E o hálito de manhã? Vais fazer café e comprar pão fresco à pressa porque gostas do corpo inerte que aceitou dormir contigo? Vais lhe dar um beijo no cabelo e suspirar de felicidade?

Já despejaste a vida num saco de latéx, se guardasses a energia a fazer-te feliz já sabias o que é morder um beijo feito de amor.

Sábado é isso mesmo - despejar toda a tua energia a tornares-te mais infeliz que todos os outros. Bebe até caires - pode ser que chegues a uma conclusão.

quinta-feira, abril 13, 2006

Amêndoa

Esta noite cozinho os meus sonhos numa panela de pressão, prestes a rebentar. Quem quiser, é bem vindo, venham conhecer-me, adquirir-me, comprar-me (eu deixo).

Esta noite recrio-me com a gentileza de quem nunca é igual, de quem deixa entrar o sol pela janela aberta todos os dias, de manhã, e se comove com um simples plano geral da lua, lá em cima, mais bela que todos os humanos.

Esta noite ensaio a solidão, com a certeza que é eterna, sem pudor. A música vai tocar alto, chegarei ao céu, vou dançar sozinho sem ter que me lembrar de ninguém, sem remoer o pedaço mais fraco do meu ser.

Um prato de emoções, servido quente, conquisto-te pelo olhar.

Se deixares.

Se vieres.

Se me chamares lá de baixo, da rua, ou tocares com o teu dedo na campaínha - eu vou ouvir - e depois afagares os teus cabelos com um suspiro de desejo - quero estar contigo.

Contigo e com todas as formas do teu ser, quem quer que sejas. Desde que apareças do vazio para me conquistar, romper as minhas roupas e os meus preconceitos e elevares-me à eterna possibilidade - todas elas.

Ensaio um jantar, à luz da lua. Cozinho com preceito, rigor e substância, e janto sozinho. Como todas as outras noites. Acendo um cigarro, no final, e tento arranjar algo mais que fazer, que pensar, é mais facil ocupar o tempo com o nada do que o nada te ocupar o tempo. É mais dificil gostar que ser gostado mas tu preferes a outra hipótese - dou-te todas elas e mesmo assim escolhes fugir-me.

Um prato de carne num dia santo. És tu, despida do mundo, despida de mim. O teu lado espiritual mais forte - eu, a tua coragem. O teu amor - qualquer um - transforma-te - energiza-te. Dá-te ao mundo como ele quer que sejas:

Assim,
suja,
eternamente complexa.

Minha. Tua.

Segredos, não ouso revelar nada mais que a minha solidão, e essa entrego-a a ti. Toma-me e bebe-me de um trago voraz. Não há mais.



todos os textos e todas as fotos (c) joão amorim 2005