nicotina

o fumo das coisas

quarta-feira, janeiro 31, 2007

delicia

respira-se amor
nestes lençóis.
aquele amor
que ninguém se atreve
a escrever.
curvas de mel
num tom adocicado
de sexo-cinema.
no olhar te chamo,
num toque respondes,
na tua boca encontro-me,
no meu olhar libertas.
nesta cama viajamos,
no dia-a-dia
suspiramos.

uma noite em ti
é uma delícia.

terça-feira, janeiro 23, 2007

Deserta

Escolher.
Viver a vida
entre enganos,
passeando o corpo
nos corpos da madrugada
quentes de noite,
frios de manhã

Escolher o quê?

Errar diariamente
fingindo procurar
o que não se encontra
em mil e um corpos suados
de vazio.

Permanecer
oculto
por um véu de sexo-fantoche
entre compassos televisivos.

Afogar
o desejo
em água tépida
de solidão.

Hoje.
Amanhã.

Escolho-te a ti.

quarta-feira, janeiro 10, 2007

dois

era uma vez um homem com uma carta fora do baralho.

era alto, desengonçado, caminhava como se caminhasse sobre pedras rolantes, cabeça baixa olhando o chão, cantarolando qualquer coisa num tom desafinado.

trazia sempre o fatalismo no bolso. a cada pessoa que olhasse para ele com olhos de comer e o levasse na mochila durante um tempo, após um tempo dizia,

- hoje o sol nasceu-me do lado errado.

acontece, às vezes. quando acordas com a cabeça aos pés da cama, olhando o tecto e pensando que é tempo de revirar o puzzle da vida.

e o homem mudava. transformava-se em homem 2.

o primeiro homem e o segundo chocavam-se, equilibravam-se daquela maneira estranha que só um amor de inverno consegue ser, tão certo como a linha do horizonte.

durante uma certa porção de tempo, as pessoas lidavam com o outro lado do espelho. conheciam um homem, de olhar vago e sensível, conheciam outro homem, claro e racional, e quando os dois se encontravam no mesmo corpo, à mesma hora e ao mesmo segundo, eclodia uma faísca de arrepiar.

as pessoas olhavam esse ser como se olhassem para os seus pequenos mundos. nesse homem ao quadrado sentiam as pequenas coisas e o regresso à infância. sentiam também a frieza do viver, viver segundo a máquina do presente, a mesma dos jornais,

as pessoas olhavam esse ser e não compreendiam. porque entendiam perfeitamente a dualidade das coisas.

porque uma cara tem sempre uma coroa. temos todos duas mãos, dois olhos, dois pés, para cada sim há um não, para cada gosto há um não gosto, para cada semente há uma flor, para cada homem há sempre uma mulher, para cada mulher há sempre um homem. dois.

mesmo que em cada um de nós existam sempre três caminhos.



todos os textos e todas as fotos (c) joão amorim 2005